Curiosidades

   Aqui você encontra uma pequena amostra de como Márcio Cotrim "brinca" com as palavras, fazendo fluir seu texto numa leitura leve e saborosa.
   Outras expressões do Berço da Palavra você pode encontrar nos livros "O Pulo do Gato" e "O Pulo do Gato 2". 



FAZER BOCA-DE-SIRIVamos por partes, como diria o esquartejador. Boca vem do latim bucca e siri, esse crustáceo decápode, vem do tupi si’ri’, que significa correr, deslizar, andar para trás, segundo mestre Antenor Nascentes.

A expressão é empregada para designar aqueles que se mantêm discretos e reservados em relação a determinado assunto, que conseguem guardar segredo. Gente conhecida como moita.

Mas por que se diz que essa pessoa tão prudente faz boca-de-siri? É porque a boca do bicho dificilmente se abre, ele fica no mocó. Só não resiste ao puçá, a rede em formato cônico que o captura. Depois, vira saborosa iguaria e ninguém mais percebe, no prato, onde foi parar sua boca fechada...


OS DIAS DA SEMANANo Império Romano septimana era a semana, ou seja, as sete manhãs, de origem babilônica. Os nomes dos dias aludiam aos deuses e a corpos celestes. O dia do Sol, dies Solis, o dia de Saturno,dies Saturni e os demais dedicados à Lua, dies Lunae, (segunda), a Marte, dies Martis, (terça), a Mercúrio, dies Mercurii, (quarta), a Júpiter, dies Iovis, (quinta) e a Vênus, dies Veneris, (sexta).

Com o tempo, a Igreja baniu os nomes pagãos dos dias, e oficializou as feiras. O domingo passou a ser dedicado a Deus, o dies Dominicusdia do Senhor, e o sábado manteve o nome de sabbatum, derivado do hebraico shabbathdescanso, último dia da semana, consagrado pelo Velho Testamento. Mas por que as feiras, de segunda a sexta? É que nesses dias, no adro das igrejas, os agricultores medievais realizavam suas feiras e fechavam negócios.

O idioma português acompanhou o latim. Domingo é o primeiro dia da semana, segunda-feira o segundo, e assim por diante, até a sexta-feira.

Deuses, planetas e outros corpos celestes permaneceram designando os dias da semana em outros idiomas. Em inglês, domingo é o dia do Sol, Sunday, (sunSol) segunda é o da Lua, Monday(moonLua), mas os demais se originam da mitologia nórdica: a terça, Tuesdayday of Tiu, o dia de Tiu, deus da guerra; a quarta, Wednesdayday of Woden, dia de Woden, ou Odin, o deus correspondente a Mercúrio; a quinta, Thursdayday of Thor, o deus do trovão; e sexta, Friday,day of Frigg, a esposa de Woden.

Em francês e espanhol temos, respectivamente: a segunda, lundi e lunes, relativa à Lua; a terça,mardi e martes, relativa a Marte; a quarta, mercredi e miércoles, relativa a Mercúrio; a quinta,jeudi e jueves, relativa a Júpiter; e a sexta, vendredi e viernes, relativa a Vênus.

Isso, sem falar na nomenclatura dos dias e dos meses instituída pela Revolução Francesa, de que falaremos proximamente. Seja como for, homenageando o firmamento, as divindades, os agricultores ou as forças da Natureza, enquanto o mundo gira e os homens se engalfinham, o Sol continua criando vida e a Lua inspirando o amor . . .



TEMPO DO RONCAA expressão correta é do tempo do onça, não conheço registro para esse ronca. E quem era o onça? Era o governador da cidade do Rio de Janeiro Luís Vahia Monteiro, militar português que lá chegou em 1725. Muito ranzinza e severíssimo, ganhou esse apelido de onça do povão, que o odiava. Destituído do cargo 7 anos depois, sumiu das terras cariocas deixando um rastro de profunda antipatia e a lembrança de um tempo ruim, o tempo do onça . . .


COLOCAR NO PREGO

A origem dessa expressão vem do fato de que nas antigas casas comerciais – tabernas, empórios, farmácias – existia um prego onde o comerciante espetava as contas de quem pedia para pagar depois. Quando o freguês retornava para quitar a dívida, o dono tirava os papéis do prego, somava os valores e cobrava. Quer dizer: colocar no prego é colocar no prego mesmo.

O famoso pindura, comprar fiado, pagar depois. Ainda hoje alguns comerciantes, que não gostam disso, exibem um cartaz bem visível que avisa: “Fiado só amanhã”.

Pendurar a conta é um costume dos alunos de Direito, que o praticam em algum restaurante sempre no dia 11 de agosto, sabe por quê? Porque foi no dia 11 de agosto de 1827 que D. Pedro I instituiu os primeiros cursos de Direito no Brasil – em Olinda, e em São Paulo, no Largo de São Francisco. Os estudantes eram endinheirados, tipo “mauricinhos”, e os donos de restaurantes, talvez para bajulá-los, não lhes cobravam as refeições.

O hábito virou rotina e algumas tradições devem ser respeitadas nesse dia, como o discurso feito por um dos estudantes declarando o pindura. Além disso, eles só pagam 10% da conta, a gorjeta do garçom – motivo pelo qual, fique sabendo, 11 de agosto é o Dia do Garçom!

Pindurar e colocar no prego faz lembrar um assalto ocorrido no famosíssimo restaurante Antonio’s, do Rio de Janeiro. Os ladrões entraram, levaram jóias e dinheiro e, quando iam saindo, a conhecida a pândega figura do jornalista Roniquito pediu, para todo mundo ouvir, que eles, antes de ir embora, levassem as contas penduradas no prego – para alegria de muitos freqüentadores do bar, bebuns endividados . . .


DE MEIA-TIGELANa linguagem popular, é coisa de pouco valor. A origem da expressão nos leva aos tempos da monarquia portuguesa. Nela, as pessoas que prestavam serviço à Corte – camareiros, pajens, criados em geral – obedeciam a uma hierarquia, com obrigações maiores ou menores, dependendo do posto de cada um.

Alimentavam-se no próprio local de trabalho e recebiam quantidade de comida proporcional à importância do serviço prestado. Assim, alguns comiam em tigela inteira, outros em meia-tigela, critério definido pelo Livro da Cozinha del Rey e rigorosamente observado pelo funcionário do palácio conhecido como veador, o comprador ou dispenseiro, aquele que supervisionava as iguarias que chegavam à mesa real – na verdade, o grande fiscal da comilança palaciana.

Hoje, essa odiosa discriminação deixou de existir, mas ficou o sentido figurado da expressão, que continua designando coisas ou pessoas irrelevantes no seu meio social, agora razoavelmente alimentadas pelo vale-refeição, tão em moda entre nós . . .


CAIR A FICHA

A expressão ainda é bastante popular, mas já não faz sentido, pela simples razão de que não se usa mais ficha para falar em telefone público. Agora é cartão.

Vale a pena contar um pouco de história. Desde 1930, os telefones públicos funcionavam com moedas de 400 réis. Veio a inflação, e galopante, o que fez com que, a partir dos anos 70, o governo preferisse a utilização de fichas. Só com elas seria possível acionar os chamados orelhões, equipamento urbano que virou figurinha fácil nas cidades brasileiras, embora vândalos e cafajestes, sem motivo algum, destruíssem boa parte deles, verdadeira estupidez.

Esse tipo de ficha só caía após ser completada a ligação, o que fez nascer a expressão cair a ficha, ou seja, o momento em que conseguimos entender alguma coisa. As fichas desapareceram em 1992 e deram lugar aos cartões, até hoje em vigor, mas a expressão continua sendo lugar comum em nosso quotidiano.

Os episódios de corrupção que se sucedem em catadupa revelam uma perversidade: o eleitor se ilude com as promessas dos candidatos. Engambelado, acredita que eles vão fazer o que prometem nas campanhas eleitorais. Vã quimera, douda ilusão. É quando cai a ficha: vem a decepção, a indignação, a revolta. Enquanto isso, os espertinhos se esbaldam mamando alto, esquecem solenemente tudo o que juraram com a mão sobre a Bíblia . . .